segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A novidade


Ora, vamos morar para uma casa nova, qual a tendência que se tem? Ficar embrenhado na decoração. Comprar tudo e mais alguma coisa para reconfortar o espaço que será o nosso porto-seguro dali em diante. As nossas atenções ficam praticamente focadas para este novo projecto (risos, apeteceu-me escrever projecto. É que vira e mexe, só se lê e se ouve a falarem em projectos. É chique bem está visto). É tudo feito com o maior rigor. É tudo com muito amor e carinho. Tudo é escolhido ao pormenor. Depois, vem os cuidados. Mil cuidados para não riscar e sujar paredes. Mil cuidados para não sujar sofás, tapetes. Mil cuidados para não se partir  a loiça. Oh, que é uma dor na alma ficar com o conjunto incompleto. Os móveis então, mil olhos para não se riscar, manchar. Enfim, tratar da casa como se fosse uma verdadeira princesa.... após alguns meses, quiçá anos, os cuidados quase obsessivos que se tinham, perdem-se no tempo. Não porque a pessoa ficou badalhoca ou outra coisa que o valha, não. Mas porque relaxou. Porque a novidade passou a ser um hábito. Um ritual quase.
Bem, com o carro a tendência é manter o mesmo padrão. É não deixar as crianças (quando as há), pôr os pés no banco da frente e, quando põe, oh Céus! Cai o Carmo e a Trindade! É dia sim, dia sim limpar o bebé mais novo. Limpar, mas, vincadamente, atenção. Comer no carro? Oh, oh! Está fora de cogitação. É que nem pensar!! Estacionar, é escolhido a dedo o lugar. Isto é para não levar pancadinhas de amor, ou outra coisa do género. A cada segundo, é ver se se tem um risco. Se tem, é como se levássemos uma facada, tal não é a dor que se sente do popó novo estar com uma mazela, por mais insignificante que seja. E não é que depois ficamos horas, para não escrever dias a pensar no sucedido. Uma angústia... após meses, quiçá anos, o mesmo comportamento que se tem com a casa, aplica-se aqui. O que muda, é meramente o objecto. Matemático, portanto.
E, quando o assunto é o telemóvel novo? Aquele todo XPTO que andávamos à meses a fazer-lhe caras e bocas na vitrina? É que quando vem parar às nossas mãos, parecemos umas crianças. Sim. Desde mexer e remexer nas funções. É examina-lo de trás para a frente como se não houvesse amanhã. É andar com ele constantemente nas mãos, como se fosse a relíquia mais preciosa do universo. Só falta tê-lo ao pé do coração. Oh, no fundinho, no fundinho até se tem, vá. Se porventura tem uma queda? Minha nossa! Se com o carro é uma facada e é grande, robusto o menino e, conscientemente temos em mente que tem mais arcabouço para aguentar as trancadas da vida. Oh, quer dizer, das pessoas anti-sociais que andam a vegetar por aí sem o menor cuidado com aquilo que não é seu. Já um telemóvel... um telemóvel não!! Porque é pequeno, frágil. Porque se cai ao chão e se for uma pancada certeira, fica completamente em cangalhos. Quando tem a sorte no meio do azar de não ficar em cangalhos mas, só com umas boas lascadas a dor é quase a mesma. Pois claro. Fica-se a moer e a remoer o sucedido vezes sem fim. A cabeça, essa, fica completamente descontrolada. Tal não é o trauma de ver a novidade danificada... passa-se meses, quiçá anos (com sérias dúvidas), idem, idem, aspas, aspas. É que o dito pode cair vezes sem conta, já não surte o efeito de partir corações. Aliás, ainda dizemos que o raio do mono é duro na queda.
Agora, as roupitas, o calçado e acessórios quando nos caem em graça não fogem muito à regra, não senhora. É que quando batemos o olho em determinado artigo e se torna amor à primeira vista, pronto. Somos capazes de andar uma estação completa com a mesma coisa. Porque nos sentimos bem. Porque se torna nossa aliada em muitos momentos importantes. Porque quando olhamos para determinado objecto, de facto, nos identificamos com ele. Fora poucas excepções, quando as coisas já são antigas, velhinhas, velhinhas como só elas que mesmo assim nos continuam a encher as medidas, mesmo assim, como disse, tirando essas excepções, as novidades é que nos tiram o fôlego. É que nos deixam como baratas tontas, inquietas, ansiosas, com vontade de estar sempre ali ao pé. Ficamos aflitos quando algo se estraga. Afinal, é novidade. É novo. Não pode ficar danificado atempadamente. Cronologicamente, na nossa mente, não faz qualquer sentido. E não faz por tudo o que escrevi. E sim, aqui escrevo exclusivamente sobre objectos. No entanto, se invertermos para as pessoas, logo, para as relações que se tem, será que é assim tão grotesca a comparação?  

16 comentários:

  1. Assino por baixo tudo o que disseste... sem tirar nem pôr.
    E acabaste o texto com o pensamento que eu tive a meio: as pessoas.
    Beijo minha querida *

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  2. Assino por baixo tudo o que disseste... sem tirar nem pôr.
    E acabaste o texto com o pensamento que eu tive a meio: as pessoas.
    Beijo minha querida *

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  3. Seria bom, as pessoas.
    Estas, magoam muito mais.
    Os objectos vão ou ficam, mas acabamos por esquecê-los.
    Vezes sem fim, vamos ao armário , descobrimos uma peça que nem nos lembravamos que existia.
    As pessoas, inelizmente, não se esquecem, quando nos magoam.
    Belo post.

    :)

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  4. Uma comparação muito bem feita. Infelizmente.

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  5. Sou exactamente assim com as coisas, mas depois passa-me. Agora essa tua pergunta é pertinente. Eu protejo as pessoas que gosto e dou mimos faço de tudo pela alegria, mas realmente e muitas vezes acontece magoarmos quem gostamos mais...

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  6. Estou a imaginar a seguinte situação: sujeito A deixa escorregar o tablet de sujeito B, e este dá uma queda de 1 centimetro:"o pá!!!!Já viste bem o que fizeste???Se ficou riscado nem sei o que te faço!!Nunca mais mexes nas minhas coisas!!!!

    Se estimamos mais os objectos do que as pessoas?Muito provavelmente muitos fazem-no.

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  7. Das pessoas que escolhemos tão afincadamente como escolhemos um objecto de que tanto queremos, essas sim são cuidadas da mesma maneira. Pelo menos há quem o faça.

    Gostei do texto.

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  8. Tem a ver com a prioridade que damos nas nossas vidas... as coisas ou as pessoas!

    Mas adorei o teu texto.

    Beijinhos carinhosos xxx

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  9. O meu problema é que quero tudo aquilo que os meus olhos vêem.

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  10. O problema é que não basta quer para ter um pessoa na nossa vida... :)

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  11. Não se pode comparar... os objectos não reagem à mudança de postura.

    beijo
    Sutra

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  12. Sutra,

    Factualmente escrevendo, talvez não. Mas se for de maneira abstracta, creio que sim. (In)felizmente, conseguimos fazer analogia com tudo. O céu, é o limite! E mesmo assim já há outros meios... ;)

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"Eu não escrevo em português. Escrevo eu mesmo".♥ - Fernando Pessoa

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