quarta-feira, 22 de maio de 2013

Elas, elas as criancinhas...


São quatro da manhã, quatro, e o sono, esse sacana que teima em não aparecer. Vira-se para um lado, vira-se para o outro. Para esse outro lado dá-se de caras com a janela que tem as persianas semi abertas. Consegue-se entre as brechas vislumbrar-se alguma claridade. A única que se encontra no quarto. A única que os olhos conseguem ver no meio da escuridão. Essa escuridão que parece querer engolir quem se encontra embrenhado nos lençóis de tão imensa que é. Agita-se o rosto, funga-se o nariz, mexe-se nos dedos nervosamente. Para colmatar esse nervosismo escreve-se na atmosfera tontices soltas que vêem à mente. Não resulta. Põe-se de barriga para cima e, automaticamente, começasse a contar carneirinhos. Ah! Carneirinhos... essa é boa. Os carneirinhos, os carneirinhos são para as criancinhas. Mas põe-se na mesma a contá-los: 1,2,3,4,5,6,7,8,9,10,11,12,13,14,15,16,17,18... Carneirinhos... Carneirinhos... os carneirinhos são para as criancinhas, repete baixinho para si mesmo para que fique entranhado no seu íntimo, mas no silêncio da noite é como se gritasse. Repete, repete para si para que faça sentido o lógico da frase e que caia no ridículo a sua estapafúrdia acção. Repete, repete em voz baixa: os carneirinhos são para as criancinhas. Os carneirinhos são para as criancinhas. Os carneirinhos são para as criancinhas... Depois, depois continua para se convencer ainda mais: elas, elas é que acham que ao contá-los o sono chega mais depressa. Elas, elas é que acham que vem uma fada durante a noite zelar pelo seu sono e regar os seus corpos frágeis com pó mágico. Elas, elas acham muita coisa... Acham, mas nunca conseguem ter a certeza de nada. Somente acham e vivem bem em achar que sabem e que o que elas sabem é que é fidedigno.  Elas, elas as criancinhas... Dentro da sua pureza não vêem maldade em nada. Acham sempre - lá está - que todos são como elas. Que os defeitos dos adultos feios, porcos e maus e as acções dos mesmos são utópicos. Elas, elas acham. Elas, elas crêem piamente. E vivem assim, num mundo cor-de-rosa... Elas, elas as criancinhas...

São seis e dezoito da manhã.

6 comentários:

  1. Mas tu não dormes??
    Realmente as crianças na sua inocência, nada lhes transtorna. Eu acho é que muitas vezes pensamos demais e preocupamo-nos demais...há soluções para tudo.
    Abracinho!

    ResponderEliminar
  2. E as crinacinhas na sua ignorância são por isso mesmo mais felizes que os adultos. E isso é bom.

    bjs

    ResponderEliminar
  3. A verdadeira inocência de uma criança...saudades!

    ResponderEliminar
  4. Eu acho que as crianças não têm uma vida assim tão cor-de-rosa. Olha que a infância é cheia de medos e frustrações também, nós é que muitas vezes já não nos lembramos e romantizamos. Mas acreditar não há como elas, é verdade.
    Para dormir rápido o truque é não controlar o pensamento, deixa-o correr...

    ResponderEliminar
  5. E bom seria sermos crianças e acreditarmos que adormecíamos a contar carneiros...

    ResponderEliminar

"Eu não escrevo em português. Escrevo eu mesmo".♥ - Fernando Pessoa

A essência que queres partilhar comigo é?...