quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Partilha. Mas não é uma partilha qualquer. É daquelas partilhas que transbordam a alma, mas que ao mesmo tempo dói no coração...

Uma colega da Zunfinha levou para o lanche um ovo cru. Sim, é isso mesmo, um ovo cru. A menina levou um ovo cru e somente um ovo cru tinha para escolher em qual dos lanches (manhã/tarde) preferia comer. A Zunfinha no lanche da manhã, enquanto tirava o lanchinho, reparou que a menina debatia-se com o ovo na mão em escolher se o comia naquela altura ou se guardaria para a tarde. Segundo a Zunfinha, perguntou-lhe o que ela fazia com o ovo cru na mão ao qual a menina responde-lhe que era aquele o seu lanche. A Zunfinha no jeito dela (parece que a estou a ver) pede-lhe para guardar o ovo para comer à tarde que lhe dava metade das suas bolachas com doce de morango que tinha trazido para acompanhar com leite. E aconselhou a menina a pedir à Rosinha (senhora do refeitório) a cozer pelo menos o ovo para comê-lo (tão adulta a minha menina). A colega, segundo a Zunfinha, aprovou a ideia com a cabeça aconchegada com o lanche repartido que estava a ter. A Zunfinha assim que chegou ao pé de mim disse logo: "mamã reparti metade do meu lanche com uma colega. Não fiz mal pois não?" - Respondi-lhe que não. Claro que não! Contudo, muito indignada e confusa continua: "mas a minha colega trouxe o ovo cru para comer. A mamã dela não podia ter cozinhado o ovo, mamã?" - [...]

A Zunfinha não questionou o ovo, mas sim o facto da menina o levar cru. 
 Senti (ainda sinto) um nó na garganta e um valente murro no estômago.

24 comentários:

  1. Ao ler o texto «Senti (ainda sinto) um nó na garganta e um valente murro no estômago » (não consegui arranjar outras palavras).
    Século XXI, "seres racionais", "humanidade"... para aonde caminhamos? Restos-nos a esperança enquanto existirem "Zunfinhas". Só ela para nos alegrar a alma: Bem-hajas, doce Zunfinha.

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  2. É como dizes: uma partilha que transborda a alma... mas que, acima de tudo, dói no coração... que história! que tristeza.... pensar que há (tantas) vidas assim....
    ... um doce de menina, a tua Zunfinha

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  3. Bolas...é mesmo como escreves, é isso que se sente, um nó na garganta e um murro no estomâgo e logo se forma a pergunta: Como é que é possível?
    Ainda bem, Essência, que essa coleguinha tinha a tua Zunfinha ali ao lado, ainda bem que a Zunfinha é atenta, generosa e preocupada, fruto da educação e dos exemplos que tem, de certeza. Ainda bem, que nesse dia, aquela menina teve direito a um mimo, mesmo que não tivesse vindo na sua lancheira. Ainda bem. Beijoca especial à Zunfinha, alminha boa ;)
    E beijocas à mamã dela, claro ;)

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  4. ...deixaste-me sem palavras!

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  5. Não sei se a mãe daquela criança teria água e luz para cozer um simples ovo. Sinceramente, não sei. Apenas sei que pior do que a pobreza visível é a pobreza envergonhada porque esta é mito mais difícil de ser descoberta.

    Na semana passada um funcionário da minha empresa desmaiou. Como tenho o curso de primeiros socorros fiz o que se deve fazer nessas circunstâncias, mas mandei chamar o 112 pois desconhecia o teria levado um homem de 38 anos, com cerca de 1.80m de altura a desmaiar. Minutos mais tarde, e já lúcido e orientado, confessou à equipa do INEM (em tom baixo e envergonhado para mais ninguém ouvir) que já não comia há dois dias porque o que ganhava era para as despesas fixas e para comprar iogurtes e leite para os dois filhos que tinha na escola e não sobrava mais nada. Eu ouvi porque estava mais perto. O meu colega acabou por ter que ir para o hospital pois estava desidratado. Eu? Profundamente indignada. Porque sei que não é o único que neste momento passa fome na minha empresa. Não são só aqueles que perderam emprego que estão mal. São aqueles que têm emprego mas que viram os seus vencimentos reduzidos em dezenas de euros e não chegam para os seus compromissos. Uns minutos mais tarde, e mais calma, liguei para a responsável dos recursos humanos. Para não ferir susceptibilidades encontrámos uma solução: criou-se um banco alimentar. Pediu-se aos trabalhadores que ainda podem que levassem todos os meses bens que são distribuídos por aqueles que sabemos que estão a passar dificuldades. No início deste mês foi possível distribuir 98 cabazes com bens essenciais. A pobreza envergonhada é difícil de combater mas consegue-se. A indiferença não se consegue combater.

    A Zunfinha não é indiferente e isso faz-me acreditar num País.

    Desculpa o "testamento".

    Beijo

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  6. Já li este post há um bocado, mas voltei porque não consigo deixar de pensar nele... quantas mais crianças estarão nessas condições, sem que ninguém se aperceba? Parte mesmo o coração... Parabéns por teres uma menina atenta. Acho que a tendência das crianças será sempre partilhar, mas não estou tão certa que todas sejam tão atentas e preocupadas. Nem deviam ter que ser...

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  7. Fosga-se...como é que é possível?
    As crianças não deviam, não deviam mesmo passar por isto. E que irresponsabilidade de um pai ou mãe, xiça pah, parte o ovo e faz omelete caramba, agora cru?
    Olha vou parar para não dizer asneiras...

    PS: grande "mulherzinha" a tua filhota...grande mãe que ela tem.

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  8. A tua filha é um doce Essencia... Mas bem, isto é mesmo um murro no estômago... E haverão respostas para os porquês que me assaltam agora???

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    1. Yellow,

      Perante o teu comentário, inevitavelmente me leva aos nossos governantes. Mas, não me apetece, não sinto a mínima vontade de gastar as minhas palavras, o meu raciocínio com esse núcleo. Por isso ficou-me só com: nos dias de hoje, não se vive, sobrevive-se. Ao menos que haja amor, compreensão e bondade para colmatar essas graves falhas que há na sociedade.

      Helena,

      Sabes, ao ouvir Zunfinha pensei "bolas, esta realidade é aquela que ouvimos tantas e tantas vezes nas notícias, que lemos nos jornais. Bolas, esta realidade há aqui, mesmo ao lado. Esta realidade não é separada por um televisor, um jornal. Esta realidade está a deambular aqui, mesmo ao pé." - Assustador.

      Karochinha,

      Sim, senti orgulho na minha menina de ter sido tão atenta à fragilidade alheia. No meu intimo fiquei tranquilizada no sentido de perceber que o que ando/andamos a fazer não é em vão.

      Ulisses,

      Disseste tudo.

      NI,

      "Não sei se a mãe daquela criança teria água e luz para cozer um simples ovo. Sinceramente, não sei."- Foi isto entre outras coisas que expliquei à Zunfinha.

      Nada a desculpar, mas sim agradecer pela partilha, obrigada.
      Acredito que ficaste de bem contigo mesma perante tal atitude. Um bem-haja para ti.

      Teresa,

      Obrigada.

      Questões pertinentes que são respondidas com casos destes que trago hoje como há outros que todos os dias ouvimos na televisão e lê-mos nas revistas. É esta a realidade, não há forma de a contornarmos senão a encararmos de frente. Dói, dói muito. Principalmente quando em causa estão seres tão indefesos que precisam de tantos cuidados. As nossas crianças. As crianças do mundo. São um pouco nossas. São seres como nós, portanto logo, as sinto um pouco minhas, também.
      Não podemos mudar o mundo. Não podemos. Mas podemos mudar um pouco, ou amenizar o que está bem ao nosso lado. A NI, com o gesto dela marcou a diferença e acredito que foi um alento para muitas pessoas que estão ao seu redor. A Zunfinha com o seu gesto que nem tem a total consciência do bem enorme que causou. Eu, hoje mandei lanche a mais e assim irá ser daqui em diante. Outras tantas pessoas há sua maneira vão fazendo o que está ao seu alcance. E assim vamos amenizando os nossos conflitos interiores sobre esta questão da sociedade.
      Sobre as crianças que não deviam se preocupar com o que se passa ao redor delas: não devia, mas a realidade do dia-a-dia não escolhe "vítimas". Vendo-as confrontadas com as tais realidades, há duas saídas: mantê-las na ignorância, ou da melhor forma que encontrarmos deixá-las a par do que efectivamente se passa. Mas sim, se houvesse escolha, deixá-las de parte. Deixa-las no mundo delas. O mundo cor-de-rosa.

      Sónica,

      De facto pensamos logo: "irresponsabilidade!" - Depois paramos é questionamos, pois mediante o cenário que estamos a viver, "será mesmo irresponsabilidade?" - "Porquê mandar um ovo? E cru" - Depressa questionamos (tal como a Ni) "será que tinha como cozê-lo?" - Pois. São questões que só aquela mãe e quiçá filha saberá. Mas são questão que nos invade a mente, sem dúvida. Para mim, vai ficar o benefício da dúvida.

      Obrigada pelo teu «ps:»

      Petra,

      Obrigada.

      Quanto à tua pergunta, não sei.

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  9. Essência e Ni (porque não consegui ler mais comentários) puseram-me a chorar.
    Tenho a dizer, também, que estou constantemente a apoiar uma amiga qeu conheci aqui na net e mais tarde pessoalmente, com roupas e produtos alimentares para ela distribuir pelas famílas com grande dificuldades.
    Perante o que leio aqui, fico muito sensível quando percebo que há, de facto, muitas pessoas que têm emprego e passam fome.
    Ni, se for preciso algum apoio daqui, deste lado, digam-me.
    Essência, desculpa usar esta tua caixa de comentários para mostrar o quão admiro esta solidariedade que se constata nos blogs e para ti,um abraço muito especial porque mostras que nada te passa indiferente e que educas a tua filha muito bem.
    Estou muito , muito feliz em ter lido este post.
    Beijo

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  10. Voltaram-se-me as palavras!

    http://aluxuriadeulisses.blogspot.pt/2014/02/perdoem-o-desabafo-mas.html

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  11. cantinho,

    Somos as duas então, que estamos muito sensíveis. Não há nada a desculpar quando o gesto é por uma boa causa. Um bem-haja a ti.

    Ulisses,

    Obrigada pela partilha, de coração. Um bem-haja.

    Ide, ide ler o que vai na alma deste homem.

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  12. E sabemos lá nós o porquê daquele ovo ?
    Mas porra, custa imenso ler uma coisa dessas... Se custa !

    A Zunfinha é e ainda há-de ser mais um ser humano fantástico! Que continue com essa magia dentro dela!

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  13. Dói MUITO de facto.
    (eu e a Cantinho somos umas choronas... mas ok, agora já estou recomposta)

    Já estou agora com as ideias mais claras para te dizer que a leitura deste teu post e dos comentários que se seguiram fizeram com que as minhas emoções andassem tipo montanha russa, passando pela...
    - incredulidade ("um ovo cru!?"),
    - compaixão, tristeza, revolta, dor (não é justo ter de se passar necessidade... muito menos uma criança),
    - mais revolta (sim, porque não faltou quem se apressasse a apontar o dedo e a julgar o comportamento dos familiares da criança sem se conhecerem as razões)...
    - e até confesso um sentimento de satisfação... porque apesar de tudo o "mundo não está perdido"... e há muita gente boa disposta a ajudar o seu semelhante... gente (como tu) que sabe educar os seus filhos e semear neles a semente da solidariedade.


    Um beijo ENORME para ti a para a tua menina, que é um tesouro.
    (e sim, vou ler o que o nosso amigo escreveu)

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  14. Eu já fui ler o que o Ulisses escreveu. Mal eu sabia que estamos no mesmo barco...

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  15. Sem palavras para comentar a situação...só para te dizer que a tua menina é esperança de um futuro melhor e mais justo...o que atualmente se passa é ultrajante!
    Beijinhos
    Maria

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  16. Infelizmente, tenho conhecimento de tantos casos como este, em que na maioria nem um ovo há!!
    Sobre a tua partilha escrevi no meu blog
    wet-kiss.blogspot.pt
    passa por lá
    (BeijoMolhado)

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  17. Só me resta dizer que estás a educar muitooo bem a tua filha!
    Que pena que nem todas as filhas (e filhos) tenham mães (e pais) como tu...
    Turrinhas!!!

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  18. Não resisti e assim que fui buscar os meus filhos perguntei-lhes, como quem não quer a coisa "o que é que acontece quando algum menino se esquece do lanche?" Disseram-me que a escola dá sempre pão e leite... fiquei com o coração um bocadinho menos apertado... pelo menos há escolas que estão atentas e podem dar-se "ao luxo" de alimentar as suas crianças... que tristeza o ponto a que este país chegou...

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  19. Palavra,

    Custa. Dá aquele nó na garganta acompanhado com um muro no estômago.

    Afrodite,

    Obrigada.

    Sabes, dizem muitas coisas dos nossos quanto cidadãos. Mas há uma qualidade que temos e que salta à vista quando nos deparamos com confrontos desta natureza, somos um povo generoso. Mesmo dentro das nossas limitações, damos. Ajudamos. E isso, no final das contas, põe por terra tudo o resto de menos bom que possamos passar quanto cidadãos deste mundo.

    NI,

    Já nada é como antes.

    Maria,

    Obrigada, Maria. Mas acredito que muitas mais Zunfinhas andam por aí...

    Beijo Molhado,

    Já li e, agradeço a partilha onde nela vinha a tua perspectiva.

    Gata,

    Obrigada, querida. Mas quero acreditar que ainda haja algumas Zunfinhas por aí. Vamos acreditar.

    V.,

    Acredito que sim.

    Teresa,

    Fiquei contente por saber que em algumas escolas funciona assim. É uma ajuda muito reconfortante. Pois há crianças que só comem a refeição da escola. Lanche ou almoço que se dê, mediante a escola (segundo relatos da professora da Zunfinha que sabe através de outras colegas de profissão). A da Zunfinha, por exemplo, infelizmente não dá nada disso. Temos que ser nós, pais, a mandar os dois lanches que as crianças comem.

    Para teres uma ideia como difere de escola para escola. Por exemplo (e pegando noutra situação): na escola da Zunfinha, dão os livros escolares. Os livros, porque tudo que seja fichas, material e afins, não. Mas já é uma ajuda. E dão a todas as crianças. Seja de que escalão for (acho piada "medirem" as pessoas por escalão. Diz tanto da nossa sociedade). Mas isto tem haver, essencialmente, com a câmara. Quem está lá a mandar. Pronto, teve esta ideia fantástica. Teve um rasgo qualquer que resultou neste feito. No entanto, sei que outras escolas daqui da zona, que ao não pertencer ao concelho, já não tem esta ajuda. Enfim, políticas que no final das contas, quem acaba por pagar ou não, somos nós. Obrigada pela partilha.

    Um bem-haja a todos.

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  20. Que situação :(
    Ia escrever fodass, porque foi o 1o pensamento, mas depois... ups, escrevi... a verdade é que é muito estranho não terem cozido o ovo. Pelo menos isso. Estranho. E será que a escola da Zunfinha tem essa opção para os miudos, além dos livros? Caso não seja, essa coleguinha pode estar a debater-se diariamente com a parte do dia em que pode lanchar. E como ela, outros, infelizmente.
    (Atenta e querida a tua piccola :)

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    1. Não, Pusinko. Como expliquei à Teresa, não. Somente dão os livros (e não digam que vão daí). As refeições, seja almoço, lanches, ficam a cargo dos encarregados de educação. Enfim, é o que temos. Sobre os lanchinhos, desde que soube, tenho enviado lanche a mais. Pelos visto, almoço ela tem. Agora não sei se efectivamente são os pais que pagam ou outro alguém que se apercebeu da situação da criança e encarregou-se disso.

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  21. fiquei com o coração apertadinho e de lágrimas nos olhos... como será a vida dessas crianças? como será em casa? que tristeza, que miséria. não tenho palavras.

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